De uns tempos pra cá comecei a me questionar sobre meus possíveis excessos quando o assunto são os artigos esportivos, mais especificamente os de corrida. Assim como vc, sou apaixonada por tops, shorts, regatas e tudo mais que compõe nosso guarda-roupa esportivo, mas pergunto: estamos assumindo a responsabilidade pelas peças que consumimos?
Quando a pandemia começou eu tinha um contrato assinado com a Nike, onde fazia parte do time Zoom Squad, e aí aconteceu que comecei a me sentir muito incomodada em ter que produzir conteúdos sobre produtos e consumo num momento onde tava todo mundo ficando desempregado (inclusive eu), sem grana e sem treinar, pq tava estávamos presos em casa. A pergunta “se ninguém tá correndo, pra que postar um tênis de 2mil reais?” ecoou na minha cabeça e desde então um incômodo misturado com vergonha me persegue, qdo tenho que fingir naturalidade diante de algumas coisas. De forma alguma meu sentimento é culpa das marcas, eu aceitei estar neste jogo durante mto tempo, foram as circunstâncias que me levaram a ficar envergonhada e sem jeito.
Bom, eu corro desde 2008, quando comecei a trabalhar na redação da revista O2. Nesta época eu fazia a produção de moda das capas e matérias, assim como os guias de tênis, lançados 2 vezes por ano. Então desde que me entendo por corredora tenho fácil acesso à produtos, ganhava muita coisa por causa da revista e do blog de corrida para mulheres que comecei a escrever no ano seguinte.
Meu relacionamento com as marcas sempre foi próximo. Fiz minha festa / treino de 30 anos na USP com apoio da MIZUNO, fui umas das convidadas da primeira Uphill, tb fui com eles correr em Buenos Aires e me levaram para o El Cruce (onde fui do Chile até a Argentina em 3 dias). Viajei com a ASICS pra correr a clássica Volta à Ilha em Floripa, tb fomos pra NYC. Com a NIKE corri 2x a famosa #Nike600k, fui 2x pra Chicago, corri a Victory Tour no Mexico, fiquei hospedada no Copacabana Palace. Com a GATORADE corri com o Usain Bolt..
Enfim, nesses quase 15 anos muitas coisas aconteceram na minha “vida corrida”. Coisa realmente legais, então reconheço e agradeço pelo lugar de privilégio que sempre tive neste mercado. Digo sempre, pq até o começo deste ano eu ainda estava sentada na janelinha curtindo Paris com a ASICS. Estando dentro é mais difícil ver o TODO, estando fora pude perceber que não me sinto mais tão confortável neste lugar. Acho que é recíproco, as marcas tb não me vêem mais como uma pessoa “adequada” pra promover seus produtos, talvez pq eu seja a pessoa que fala que vc não precisa de um tênis de 2mil. Talvez por arrumar / apoiar / expor umas tretas, como na Sephora Bauty Run qdo não deixaram minha amiga Gisele Aparecida (mãe, atleta e treinadora) subir no pódio com a filha. E tá tudo bem!
No fundo, hoje aos 39 anos talvez eu tenha parado de me esforçar em manter as aparências. Claro que gostaria de me manter relevante neste rolê, mas usar minha imagem, minha voz e meus textos em projetos e trabalhos sem profundidade e real impacto na comunidade ou na vida de outras pessoas, passou a ser desconfortável. Sem julgamentos, mas chega um momento da vida de uma mulher onde ela consegue enxergar quem realmente é e onde quer chegar. É quando algumas coisas, que outro dia foram muito legais, passam a não ter mais sentido.
Depois eu desenrolo isso melhor, hoje onde eu tô querendo chegar? Quero dizer que todos esses anos de onipresença no marketing esportivo da corrida me mantiveram com fácil acesso à roupas, tênis e outros produtos, mas também presa num ciclo de quanto mais tenho, mais quero. Na pandemia comecei a me questionar, recusei a renovação de contrato com a NIKE por esses e outros motivos, mas aí em 2022 assinei 5 meses com a ASICS e de repente me vi caminhando de novo para o vício em tênis, roupas e produtos de corrida.
Tá e aí faz o que? Recomeça né. O contrato acabou, fiz uma grande limpa nas minhas coisas, doei algumas, vendi outras e tava acreditando que fiquei só com aquilo que realmente gostava. Com a grana das vendas comprei uns ADIDAS Supernova pq é um tênis muito bom pra rodagem e tem um preço ótimo. Beleza, apesar de ainda achar que tenho muito tênis, tenho conseguido manter uma boa proporção do que entra e do que sai.
Tenho alguns Pegasus 36 de 2019, Nike Tempo de 2020. Uns 3 pares de modelos 2022, como Mizuno, ON e os ASICS da jornada de Paris. Tô meio tentando me manter nessa, evitando me inteirar do que acontece no mercado de lançamentos, me expor à situações que possam me fazer querer consumir. Não recebo mais tanta coisa, mas faço ótimo uso das que chegam e embora seja uma situação que em determinado momento me trouxe algum desconforto, acho que aos poucos estou conseguindo me libertar.
É legal ganhar, é legal ter grana pra comprar o que queremos, é legal sair pra correr de roupa nova e é mais legal ainda viver numa época sem fronteiras, onde podemos consumir todas as informações e coisas que queremos. Só que existe uma grande verdade indigesta por trás dessa liberdade toda: cada produto que consumimos é responsabilidade NOSSA. Não adianta enjoar da roupa, ou não conseguir mais usar pq o tecido maravilhoso tecnológico ficou com um fedor insuportável que não sai por nada (vcs sabem que isso acontece, né?) e largar a peça por aí. Enfiar numa sacola e deixar o universo cuidar.
Não acho que somos totalmente responsáveis pelo destino de tudo que consumimos, mas se a gente conseguir pensar um pouco melhor ANTES de consumir já é um belo adianto. Hoje eu tenho um pouco de vergonha de fala que tenho 30 tops de corrida (se tivesse, pq não tenho mais) e nem acho que TREINAR MUITO seja desculpa pra acumular um milhão de produtos.
Pensar antes de comprar, procurar produtos bons que vão te acompanhar por muitos e muitos kms e cuidar do que temos são algumas das pequenas atitudes no dia a dia que podem fazer diferença aí no seu microcosmos. As marcas já estão preocupadas com isso, algumas produzem tênis e roupas com materiais reciclados ou menos poluentes do que as tradicionais fibras sintéticas, mas a verdade é que enquanto houver essa grande demanda por parte nossa, eles continuarão produzindo e lançando em grande escala. Como disse antes, não acho que a responsabilidade seja totalmente nossa, mas se conseguirmos repensar nossos desejos de consumo e até mesmo nossa performance talvez consigamos mostrar que a direção precisa mudar.
Deixe um comentário